GOVERNO
DA ALMA
"Choose
life. Choose a job. Choose a career. Choose a family, Choose a * big
television, Choose washing machines, cars, compact disc players, and electrical
tin openers. Choose good health, low cholesterol and dental insurance. Choose
fixed-interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends.
Choose leisure wear and matching luggage. Choose a three piece suite on hire
purchase in a range of * fabrics. Choose DIY and wondering who you are on a
Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing sprit-crushing
game shows, stuffing * junk food into your mouth. Choose rotting away at the
end of it all, pishing you last in a miserable home, nothing more than an
embarrassment to the selfish, fucked-up brats you have spawned to replace
yourself. Choose your future. Choose life. But who would I want to do a thing
like that? I chose not to choose life: I chose something else. And the reasons?
There are no reasons. Who need reasons when you've got heroin?”
Este
que é o monologo inicial do filme Trainspotting nos parece ilustrar o conceito das tecnologias do
eu que encontramos em Foucalt. Quando o garoto do filme fala que você deve
escolher uma vida, uma carreira, um modo de viver, de principio parece que
temos a liberdade de escolher cada uma dessas coisas. Ele continua o discurso
já indo para outro caminho, indicando o que é
proposto para nó escolhermos, como uma televisão enorme. As “técnicas do
eu” nos capacitam a escolher, a agir sobre nós mesmos para alcançar um
objetivo, como a felicidade, um futuro. No texto Governando a alma: a formação do eu privado, de Nikolas Rose, ele
fala que essas “técnicas” são propostas pelos experts da alma, para através da auto-inspessão, reconhecermos o
tipo de pessoa que somos e aquelas que queremos ser, a partir dos modelos propostos.
Ou seja, as “tecnologias do eu” permitem que o sujeito aja sobre sua alma,
fazendo com que ele se enquadre a esses modelos. É a partir desses modelos que
se processa a governamentalidade da alma apresentada por Jorge Ramos do Ó:
“A governamentalidade
corresponderia, assim, ao desencadear de toda uma arte caracterizada pela
heterogeneidade de autoridades e agencias, empregando igualmente uma
desmesurada variedade de técnicas e formas de conhecimento científico
destinadas a avaliar e melhorar a riqueza, a saúde, a educação, os costumes e
os hábitos da população”. (RAMOS DO Ó, 2007)
O interessante do monólogo
do filme é a idéia de que temos sempre que estar escolhendo algo. Assim
funciona a sociedade de controle: fluxo constante. Diferente da sociedade
disciplinar, na sociedade de controle parece que temos liberdade para sempre estarmos escolhendo,
mas somos o tempo todo incitados a fazer uma nova escolha para nos sentirmos
livres; quando na verdade escolhemos
apenas entre o nos foi proposto. É preciso deixar claro as “opções” propostas
não são “apresentadas” abertamente para o sujeito, são as relações de poder que
circulam pela sociedade que cumprem este papel.
“Esta
compreensão dos jogos de poder obriga a verificar que nas sociedades modernas o
domínio da moralidade foi remetendo cada vez menos para sistemas universais de
injunção e proibição e mais para um quadro de liberdade regulada. Cada
singularidade passou a ser vista como um ponto de passagem objetivada de
princípios e forças de poder.” (RAMOS DO Ó, 2007)
O pretendemos entender é como
se dá essa governamentalidade dentro das escolas, como as “tecnologias do eu”
operam nos alunos e nos professores. Para isso, escolhemos o filme francês
“Entre os muros da escola” (Anexo 2), que representa a vida escolar de uma
maneira que nos parece aproximar da maioria das escolas.
GOVERNO
DO ALUNO
Os alunos do Colégio Dolto no filme freqüentam o Ensino
Secundário francês, que é semelhante a nossa oitava série (antigo Fundamental
de 8 anos), ou seja, a atual 9ª série (do Fundamental de nove anos), com alunos
de 14 e/ou 15 anos.
Na França, a educação é
compulsória a partir dos 6 anos de idade, garantida preliminarmente na Lei de
18 de março de 1882, prescrita no Artigo 7º: “[...] após a metade do ano civil
em que uma criança atinge a idade de seis anos, os responsáveis devem
inscrevê-la em uma escola pública ou privada [...]” (FRANÇA, 2009). Atualmente, a compulsoriedade da educação
francesa estende-se até os 16 anos.
O filme começa com os
professores se apresentando uns para os outros, já que alguns professores são
novos na escola. Depois que terminam as apresentações um professor já antigo na escola, pega a
lista de alunos do professor de história, que é novo e indica quais são os
alunos bom e o os ruins. Ele vai apenas apontando os nomes na lista e
classificando. Nicolas Rose fala que um
dos três aspectos para a administração do eu contemporâneo é o surgimento dos expertises da subjetividade. São
agentes, não só educacionais, que assumem compreender as capacidades
individuais e que tem autoridade e legitimidade social para isso; dessa forma
adquirem o direito de analisar e agir sobre eles. Compreender as capacidades
pessoais e subjetivas dos alunos é saber quem eles são, o que esperam, dessa
forma é possível regular suas condutas através de suas capacidades, da mesma
maneira que se dá no âmbito macro social.
“As
capacidade pessoais e subjetivas dos cidadãos tem sido incorporadas aos
objetivos e aspirações do governo. Isso não constitui apenas um nexo de uma
abstrata especulação política. Constitui também um nexo ao nível de estratégias
sociais e políticas e de instituições e técnicas de administração e regulação.
(...)para regular a conduta dos cidadãos através de uma ação sobre suas
capacidades e propensões mentais. As manifestações mais obvias têm sido o
complexo dirigido a criança: o sistema de bem estar infantil, a escola, o
sistema jurídico juvenil e a educação e vigilância dos pais.” (ROSE, 1988)
No filme o professor Marin,
protagonista central, busca todo momento se utilizar das tecnologias do eu para
governar seus alunos, e dessa forma chegar ao seu objetivo, que é ensinar
Frances para eles. Podemos destacar dois momentos no filme que fica clara essa
idéia. O primeiro momento é quando o professor obriga Koumbah, uma aluna que não quis ler durante a
aula, a pedir desculpas sinceras para ele. Quando a aluna se recusa a pedir
desculpas ele pergunta para ela onde está aquela garota que fazia tudo certo
antes do verão. Quando ele pergunta isso para ela, ele tenta fazer com que ela
pense sobre quem ela era, quem ela é agora, ou seja, a partir da subjetividade
e da capacidade dela de ser uma boa aluna, ele tenta regular sua conduta.
Outro
momento em que o professor busca as subjetividades dos alunos para alcançar seus
objetivos é quando ele pede para os alunos escreverem um auto-retrato. Durante
todo o filme os alunos vão escrevendo e reescrevendo este auto-retrato, mas no
primeiro momento que o professor o apresente e recusam a idéia. Eles dizem ter
coisas que são particulares, que o
professor não tem que saber. A frase que ele utiliza para convencê-los é:
“Aquilo que pensam é interessante”. Com essa frase fica clara a idéia exposta
no texto de Rose:
“A administração da subjetividade tem-se tornado uma tarefa
central da organização moderna. (...) Muitos ingredientes entram claramente na
administração da vida organizacional. Mas, numa maior e menor medida, chefes,
comandantes militares, educadores, etc., são agora obrigados a cuidar da
subjetividade dos empregados, do soldado ou do aluno, ao tentar alcançar seus
objetivos” (ROSE, 1988)
Na verdade o professor Marin
está interessado que seus alunos aprendam francês, mas quando ele diz para eles
escreverem sobre eles mesmos, ele dá sentido a tarefa para os alunos.
O trabalho do auto-retrato
mesmo assim não atinge todos os alunos da sala. O aluno Souleymane, já marcado
pelos professores por nunca fazer as atividades, fala que não vai escrever o
auto-retrato e se justifica com sua tatuagem (Se o que tem a dizer é menos
importante que o silêncio, cale-se. - Si ce que tu as dire n'est pas plus
importante que le silence, alors tais-toi.). Certo momento do filme, Souleymane
trás para a sala umas fotos que fez de sua família e colegas. O professor Marin
fala para ele que as fotos são muito boas, e que por isso, ele poderá usá-las
para fazer seu auto-retrato. Marin está
novamente utilizando uma tecnologia do eu para trazer um aluno para o jogo,
para governá-lo, e a maneira que ele faz isso é muito sofisticada. Ele exalta
as capacidades pessoais do aluno e se aproxima da fala de Rose de como a relação
do poder e da subjetividade é operado pela “liberdade” do indivíduo, e de como
a incitação da subjetividade agencia a autoconsciência.
“As
relações entre o poder e a subjetividade não, estão nessa perspectiva,
confinadas às relações de constrangimento ou de repressão da liberdade do
indivíduo. Na verdade, as características distintivas do conhecimento e da
expertise modernas da psique têm a ver com o seu papel na estimulação da
subjetividade, promovendo a auto-inspeção e a autoconsciência, moldando desejos,
buscando maximizar as capacidades intelectuais” (ROSE, 1988)
Souleymane fica feliz quando
o professor mostra para toda a turma o seu trabalho pronto. Naquele momento ele
realmente molda seus desejos (participação da aula e da atividade), por meio da
maximização de suas capacidades. Ele
muda ainda a forma que a atividade foi proposta, ou seja, ele molda a atividade
para o tipo diferente de aluno, mas acaba deixar a turma uniforme, já que todos
atingem o objetivo.
“Em vez de tratar a
população escolar de forma uniforme e invariável, o educador que quisesse
receber o epíteto de moderno deveria, ao contrario, variar as suas metodologias
de ensino de acordo com a estrutura de cada inteligência e o temperamento
individual. O propósito de ajustar as praticas educativas a diversidade de casos
particulares – ou o ensino por medida – iria se transformar, assim, na máxima
pedagógica por excelência da modernidade”.
(RAMOS DO Ó, 2007)
Durante o filme o Conselho dos professores da escola se reúne três vezes, sendo o
segundo um conselho da classe específica de Marin (coordenador na sala), que
tem a presença de duas delegadas da turma. Neste conselho os professores, o
diretor e a coordenadora estão discutindo sobre cada aluno na sala para decidir
quais deles irão receber felicitações no boletim. Quando eles vão falar da
aluna Louise, uma das delegadas que está presente na reunião, ocorre uma
discussão entre os professores se ela deve ou não receber, isso porque,
enquanto a maioria dos professores acredita que ela deve receber as
felicitações, um professor discorda. A discussão se dá, pois este professor
acredita que a aluna apesar de ter boas notas, não assume o seu papel de líder
na sala de aula. Acreditamos que nesse ponto o debate dos professores se
aproxima do que fala Ramos do Ó sobre o saber e ser dos alunos.
“E como se, a partir
de agora, passássemos a entender que toda a paisagem escolar moderna tenha sido
construída não tanto sobre o saber – sobre as competências intelectuais
do aluno – mas, essencialmente, sobre o ser, isto é, sobre o modelo de cidadão
que importava construir para as varias autoridades, fossem elas quais fossem.” (RAMOS DO Ó, 2007)
Ou seja, o professor discorda que
o aluno não tem apenas que saber, assume que a escola tem que felicitar apenas
aqueles que além de ter competências intelectuais, deve também ser, assumir a
posição que foi colocado.
Por ultimo, acreditamos que vale ressaltar
que as “tecnologias do eu” e a governamentalidade opera nas escolas por meio de
um jargão que ouvimos muitas vezes nas novas pedagogias: autonomia do aluno.
Quando o movimento da escola nova diz que os alunos devem ser autônomos, que
devem ser capazes de perceber quando devem cumprir suas tarefas, eles
reproduzem a sociedade de controle dentro das escolas. O discurso da escola
democrática cabe perfeitamente com a descrição das tecnologias do eu de
Foucalt.
“Quando falava em tecnologias
do eu, Foucault referia-se a um conjunto de técnicas performativas de poder
que incitaram o sujeito a agir e a operar modificações sobre a sua alma e
corpo, pensamento e conduta, procurando vinculá-lo a uma actividade de
constante vigilância e de adequação permanente aos princípios morais em circulação
na sua época.” (RAMOS DO Ó, 2007)
Assim,
concluímos que as tecnologias do eu funcionam eficientemente dentro da escola
moderna. Isto porque o discurso típico das novas pedagogias sempre procuram
ressaltar as capacidades dos alunos, buscando o sucesso escolar. Enfatizam a
importância da autonomia do aluno, mas acabam reproduzindo a sociedade de
controle, já que trabalham também com as liberdades reguladas. Dessa forma o
governo do aluno se dá por excelência: suas condutas são reguladas através de
suas capacitações, sua subjetividades são analisadas, compreendidas e moldadas
segundo os objetivos da escola, pelo expertise
em que a escola se apóia e por fim, insere os alunos no jogo da sociedade de controle
transformando suas subjetividades em algo calculável.
BIBLIOGRAFIA
FOUCAUT, Michel “Conferencia
V”. In: A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, p. 103-126, 2002.
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre
verdade e mentira no sentido extra-moral. São Paulo: Hedra, 2008.
RAMOS DO Ó, J. O governo do
aluno na modernidade. Foucault pensa a educação, Seguimento, p. 36-45, 2007.
ROSE, Nikolas. Governando a
alma: a formação do eu privado. In: Silva, Tomas Tadeu da (org). Liberdades
reguladas. Petrópolis: p. 30-45, 1988.
SILVA,
T.T (2003) Dr. Nietzsche curriculista – com uma pequena ajuda do professor
Deleuze. In: CORAZZA, S; TADEU, T. Composições. Belo Horizonte:
Autêntica, p. 33-57.
Filme
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA.
Direção Lauret Cantet. Produção de Caroline Benjo, Carole Scotta, Barbara
Letellier e Simon Arnal. França. 2007. Filme (128 m), sonoro, colorido.
TRAINSPOTTING - SEM LIMITES. Direção Danny Boyle. Inglaterra. 1996. Filme (96 min),
sonoro, colorido.
Site
FRANÇA.
Site oficial. Disponível em:
<http://www.legifrance.gouv.fr/html/constitution/constitution.html>
Acesso em 07 de set. De 2009.
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