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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Governo da alma escolar


GOVERNO DA ALMA
"Choose life. Choose a job. Choose a career. Choose a family, Choose a * big television, Choose washing machines, cars, compact disc players, and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol and dental insurance. Choose fixed-interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisure wear and matching luggage. Choose a three piece suite on hire purchase in a range of * fabrics. Choose DIY and wondering who you are on a Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing sprit-crushing game shows, stuffing * junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pishing you last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked-up brats you have spawned to replace yourself. Choose your future. Choose life. But who would I want to do a thing like that? I chose not to choose life: I chose something else. And the reasons? There are no reasons. Who need reasons when you've got heroin?” 



            Este que é o monologo inicial do filme Trainspotting nos parece ilustrar o conceito das tecnologias do eu que encontramos em Foucalt. Quando o garoto do filme fala que você deve escolher uma vida, uma carreira, um modo de viver, de principio parece que temos a liberdade de escolher cada uma dessas coisas. Ele continua o discurso já indo para outro caminho, indicando o que é  proposto para nó escolhermos, como uma televisão enorme. As “técnicas do eu” nos capacitam a escolher, a agir sobre nós mesmos para alcançar um objetivo, como a felicidade, um futuro. No texto Governando a alma: a formação do eu privado, de Nikolas Rose, ele fala que essas “técnicas” são propostas pelos experts da alma, para através da auto-inspessão, reconhecermos o tipo de pessoa que somos e aquelas que queremos ser, a partir dos modelos propostos. Ou seja, as “tecnologias do eu” permitem que o sujeito aja sobre sua alma, fazendo com que ele se enquadre a esses modelos. É a partir desses modelos que se processa a governamentalidade da alma apresentada por Jorge Ramos do Ó:
“A governamentalidade corresponderia, assim, ao desencadear de toda uma arte caracterizada pela heterogeneidade de autoridades e agencias, empregando igualmente uma desmesurada variedade de técnicas e formas de conhecimento científico destinadas a avaliar e melhorar a riqueza, a saúde, a educação, os costumes e os hábitos da população”. (RAMOS DO Ó, 2007)
O interessante do monólogo do filme é a idéia de que temos sempre que estar escolhendo algo. Assim funciona a sociedade de controle: fluxo constante. Diferente da sociedade disciplinar, na sociedade de controle parece que temos  liberdade para sempre estarmos escolhendo, mas somos o tempo todo incitados a fazer uma nova escolha para nos sentirmos livres;  quando na verdade escolhemos apenas entre o nos foi proposto. É preciso deixar claro as “opções” propostas não são “apresentadas” abertamente para o sujeito, são as relações de poder que circulam pela sociedade que cumprem este papel.
“Esta compreensão dos jogos de poder obriga a verificar que nas sociedades modernas o domínio da moralidade foi remetendo cada vez menos para sistemas universais de injunção e proibição e mais para um quadro de liberdade regulada. Cada singularidade passou a ser vista como um ponto de passagem objetivada de princípios e forças de poder.” (RAMOS DO Ó, 2007)
                O pretendemos entender é como se dá essa governamentalidade dentro das escolas, como as “tecnologias do eu” operam nos alunos e nos professores. Para isso, escolhemos o filme francês “Entre os muros da escola” (Anexo 2), que representa a vida escolar de uma maneira que nos parece aproximar da maioria das escolas.
GOVERNO DO ALUNO
Os alunos do Colégio Dolto no filme freqüentam o Ensino Secundário francês, que é semelhante a nossa oitava série (antigo Fundamental de 8 anos), ou seja, a atual 9ª série (do Fundamental de nove anos), com alunos de 14 e/ou 15 anos.
Na França, a educação é compulsória a partir dos 6 anos de idade, garantida preliminarmente na Lei de 18 de março de 1882, prescrita no Artigo 7º: “[...] após a metade do ano civil em que uma criança atinge a idade de seis anos, os responsáveis devem inscrevê-la em uma escola pública ou privada [...]” (FRANÇA, 2009).  Atualmente, a compulsoriedade da educação francesa estende-se até os 16 anos.
O filme começa com os professores se apresentando uns para os outros, já que alguns professores são novos na escola. Depois que terminam as apresentações  um professor já antigo na escola, pega a lista de alunos do professor de história, que é novo e indica quais são os alunos bom e o os ruins. Ele vai apenas apontando os nomes na lista e classificando.  Nicolas Rose fala que um dos três aspectos para a administração do eu contemporâneo é o surgimento dos expertises da subjetividade. São agentes, não só educacionais, que assumem compreender as capacidades individuais e que tem autoridade e legitimidade social para isso; dessa forma adquirem o direito de analisar e agir sobre eles. Compreender as capacidades pessoais e subjetivas dos alunos é saber quem eles são, o que esperam, dessa forma é possível regular suas condutas através de suas capacidades, da mesma maneira que se dá no âmbito macro social.
“As capacidade pessoais e subjetivas dos cidadãos tem sido incorporadas aos objetivos e aspirações do governo. Isso não constitui apenas um nexo de uma abstrata especulação política. Constitui também um nexo ao nível de estratégias sociais e políticas e de instituições e técnicas de administração e regulação. (...)para regular a conduta dos cidadãos através de uma ação sobre suas capacidades e propensões mentais. As manifestações mais obvias têm sido o complexo dirigido a criança: o sistema de bem estar infantil, a escola, o sistema jurídico juvenil e a educação e vigilância dos pais.” (ROSE, 1988)
                No filme o professor Marin, protagonista central, busca todo momento se utilizar das tecnologias do eu para governar seus alunos, e dessa forma chegar ao seu objetivo, que é ensinar Frances para eles. Podemos destacar dois momentos no filme que fica clara essa idéia. O primeiro momento é quando o professor obriga  Koumbah, uma aluna que não quis ler durante a aula, a pedir desculpas sinceras para ele. Quando a aluna se recusa a pedir desculpas ele pergunta para ela onde está aquela garota que fazia tudo certo antes do verão. Quando ele pergunta isso para ela, ele tenta fazer com que ela pense sobre quem ela era, quem ela é agora, ou seja, a partir da subjetividade e da capacidade dela de ser uma boa aluna, ele tenta regular sua conduta.
            Outro momento em que o professor busca as subjetividades dos alunos para alcançar seus objetivos é quando ele pede para os alunos escreverem um auto-retrato. Durante todo o filme os alunos vão escrevendo e reescrevendo este auto-retrato, mas no primeiro momento que o professor o apresente e recusam a idéia. Eles dizem ter coisas que são particulares, que  o professor não tem que saber. A frase que ele utiliza para convencê-los é: “Aquilo que pensam é interessante”. Com essa frase fica clara a idéia exposta no texto de Rose:
“A administração da subjetividade tem-se tornado uma tarefa central da organização moderna. (...) Muitos ingredientes entram claramente na administração da vida organizacional. Mas, numa maior e menor medida, chefes, comandantes militares, educadores, etc., são agora obrigados a cuidar da subjetividade dos empregados, do soldado ou do aluno, ao tentar alcançar seus objetivos” (ROSE, 1988)
Na verdade o professor Marin está interessado que seus alunos aprendam francês, mas quando ele diz para eles escreverem sobre eles mesmos, ele dá sentido a tarefa para os alunos.
O trabalho do auto-retrato mesmo assim não atinge todos os alunos da sala. O aluno Souleymane, já marcado pelos professores por nunca fazer as atividades, fala que não vai escrever o auto-retrato e se justifica com sua tatuagem (Se o que tem a dizer é menos importante que o silêncio, cale-se. - Si ce que tu as dire n'est pas plus importante que le silence, alors tais-toi.). Certo momento do filme, Souleymane trás para a sala umas fotos que fez de sua família e colegas. O professor Marin fala para ele que as fotos são muito boas, e que por isso, ele poderá usá-las para fazer seu auto-retrato.  Marin está novamente utilizando uma tecnologia do eu para trazer um aluno para o jogo, para governá-lo, e a maneira que ele faz isso é muito sofisticada. Ele exalta as capacidades pessoais do aluno e se aproxima da fala de Rose de como a relação do poder e da subjetividade é operado pela “liberdade” do indivíduo, e de como a incitação da subjetividade agencia a autoconsciência.
“As relações entre o poder e a subjetividade não, estão nessa perspectiva, confinadas às relações de constrangimento ou de repressão da liberdade do indivíduo. Na verdade, as características distintivas do conhecimento e da expertise modernas da psique têm a ver com o seu papel na estimulação da subjetividade, promovendo a auto-inspeção e a autoconsciência, moldando desejos, buscando maximizar as capacidades intelectuais” (ROSE, 1988)
Souleymane fica feliz quando o professor mostra para toda a turma o seu trabalho pronto. Naquele momento ele realmente molda seus desejos (participação da aula e da atividade), por meio da maximização de suas capacidades.  Ele muda ainda a forma que a atividade foi proposta, ou seja, ele molda a atividade para o tipo diferente de aluno, mas acaba deixar a turma uniforme, já que todos atingem o objetivo.
“Em vez de tratar a população escolar de forma uniforme e invariável, o educador que quisesse receber o epíteto de moderno deveria, ao contrario, variar as suas metodologias de ensino de acordo com a estrutura de cada inteligência e o temperamento individual. O propósito de ajustar as praticas educativas a diversidade de casos particulares – ou o ensino por medida – iria se transformar, assim, na máxima pedagógica por excelência da modernidade”.  (RAMOS DO Ó, 2007)

Durante o filme o Conselho dos professores  da escola se reúne três vezes, sendo o segundo um conselho da classe específica de Marin (coordenador na sala), que tem a presença de duas delegadas da turma. Neste conselho os professores, o diretor e a coordenadora estão discutindo sobre cada aluno na sala para decidir quais deles irão receber felicitações no boletim. Quando eles vão falar da aluna Louise, uma das delegadas que está presente na reunião, ocorre uma discussão entre os professores se ela deve ou não receber, isso porque, enquanto a maioria dos professores acredita que ela deve receber as felicitações, um professor discorda. A discussão se dá, pois este professor acredita que a aluna apesar de ter boas notas, não assume o seu papel de líder na sala de aula. Acreditamos que nesse ponto o debate dos professores se aproxima do que fala Ramos do Ó sobre o saber e ser dos alunos.

“E como se, a partir de agora, passássemos a entender que toda a paisagem escolar moderna tenha sido construída não tanto sobre o saber – sobre as competências intelectuais do aluno – mas, essencialmente, sobre o ser, isto é, sobre o modelo de cidadão que importava construir para as varias autoridades, fossem elas quais fossem.” (RAMOS DO Ó, 2007)

Ou seja, o professor discorda que o aluno não tem apenas que saber, assume que a escola tem que felicitar apenas aqueles que além de ter competências intelectuais, deve também ser, assumir a posição que foi colocado.
Por ultimo, acreditamos que vale ressaltar que as “tecnologias do eu” e a governamentalidade opera nas escolas por meio de um jargão que ouvimos muitas vezes nas novas pedagogias: autonomia do aluno. Quando o movimento da escola nova diz que os alunos devem ser autônomos, que devem ser capazes de perceber quando devem cumprir suas tarefas, eles reproduzem a sociedade de controle dentro das escolas. O discurso da escola democrática cabe perfeitamente com a descrição das tecnologias do eu de Foucalt.

“Quando falava em tecnologias do eu, Foucault referia-se a um conjunto de técnicas performativas de poder que incitaram o sujeito a agir e a operar modificações sobre a sua alma e corpo, pensamento e conduta, procurando vinculá-lo a uma actividade de constante vigilância e de adequação permanente aos princípios morais em circulação na sua época.” (RAMOS DO Ó, 2007)


            Assim, concluímos que as tecnologias do eu funcionam eficientemente dentro da escola moderna. Isto porque o discurso típico das novas pedagogias sempre procuram ressaltar as capacidades dos alunos, buscando o sucesso escolar. Enfatizam a importância da autonomia do aluno, mas acabam reproduzindo a sociedade de controle, já que trabalham também com as liberdades reguladas. Dessa forma o governo do aluno se dá por excelência: suas condutas são reguladas através de suas capacitações, sua subjetividades são analisadas, compreendidas e moldadas segundo os objetivos da escola, pelo expertise em que a escola se apóia e por fim, insere os alunos no jogo da sociedade de controle transformando suas subjetividades em algo calculável.
                                                                          
                                                                 BIBLIOGRAFIA

FOUCAUT, Michel “Conferencia V”. In: A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, p. 103-126, 2002.
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. São Paulo: Hedra, 2008.
RAMOS DO Ó, J. O governo do aluno na modernidade. Foucault pensa a educação, Seguimento, p. 36-45, 2007.
ROSE, Nikolas. Governando a alma: a formação do eu privado. In: Silva, Tomas Tadeu da (org). Liberdades reguladas. Petrópolis: p. 30-45, 1988.
SILVA, T.T (2003) Dr. Nietzsche curriculista – com uma pequena ajuda do professor Deleuze. In: CORAZZA, S; TADEU, T. Composições. Belo Horizonte: Autêntica, p. 33-57.
Filme
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA. Direção Lauret Cantet. Produção de Caroline Benjo, Carole Scotta, Barbara Letellier e Simon Arnal. França. 2007. Filme (128 m), sonoro, colorido.
TRAINSPOTTING - SEM LIMITES. Direção Danny Boyle. Inglaterra. 1996. Filme (96 min), sonoro, colorido.
Site
FRANÇA. Site oficial. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/html/constitution/constitution.html> Acesso em 07 de set. De 2009. 

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