Praça Elis Regina, Vila Gomes, São Paulo, SP. Dia 20 de Novembro de 2011. |
Na verdade essa não foi uma foto
escolhida entre muitas já tiradas, essa foi uma foto escolhida para ser tirada
entre inúmeras que poderiam ser. Acabei fazendo o inverso do exercício
proposto, pensei sobre uma fotografia que representasse e expressasse o que mais
me tocou durante o curso, ao invés de olhar para uma foto e pensar no que ela
poderia se relacionar com o que foi falado durante o curso.
Uma praça, não tão comum como deveria
ser; a cidade de São Paulo é marcada de arranha-céus e asfalto, tanto que é um
privilégio morar perto de uma árvore. Uma escola pública, de Educação Infantil,
atrás da praça. É horário da saída e por que não tem nenhuma criança na praça?
O que mais me tocou durante o curso foi
a ideia de “não crianças na cidade”; a cidade não foi feita para as crianças e
não possui espaços para elas. O botão do elevador é alto de mais, as cadeiras
do ônibus são grandes de mais, assim como os balcões das lojas, dos
restaurantes; muitas praças não têm brinquedos, muitos espaços não têm
segurança. A ideia das crianças na cidade chega a ser absurda, tanto que nem
pensamos nisso. Isso porque a infância não é uma categoria social, a criança
não é vista como parte da sociedade; podemos atribuir a isso a ideia de que ela
não “produz”, no sentido capitalista, nada para a sociedade, e por isso ela não
é cidadã, não está inserida. A sociologia da infância defende o oposto, que as
crianças produzem cultura e estão inseridas nela, embora uma cultura adulta.
Para Qvortrup (1993, apud CORSARO, 2001) as crianças não foram somente
excluídas, mas marginalizadas, isto porque são subordinadas à sociedade e às
próprias concepções de infância que nossa sociedade possui. De modo geral a
criança é vista como o futuro, como algo que deve ser ensinado a todo o momento
para ser um adulto bom no futuro, e não alguém que vive agora, que compartilha,
aprende e ensina agora, que produz e participa da cultura agora. Essa concepção
de preparação para o futuro vem ainda com a perspectiva de socialização, uma
perspectiva individualista, que nos faz pensar na criança que aprende e
participa, e não uma infância que aprende, participa, ensina, se apropria e
inventa. A sociologia vem discutindo é que a fundamental pensarmos em como as
crianças criam, recriam, se apropriam e compartilham cultura (CORSARO, 2011).
Apesar de a sociologia vir discutindo a
sociologia da infância, e o lugar das crianças como parte integrante da
sociedade, ainda estamos longe de se apropriar dessa ideia. Mesmo as escolas
não costumam ter esse olhar, e continuam ignorando as culturas que brotam
dentro de suas paredes. Como então ter espaços, ou uma cidade que permita a livre
circulação e as experiências das crianças se elas nem são vistas como parte da
sociedade? Como ver uma praça cheia de crianças na frente de uma escola? Há
inúmeras questões que podem ser relacionadas do porque a praça estava vazia no
horário da saída, ou do porque as crianças não frequentam regularmente os
poucos espaços que são “permitidos” ou “destinados” à elas. A segurança,
acredito que é o principal, o primeiro pensamento de todos. É impensável deixar
as crianças sozinhas em uma praça no meio da rua, qualquer um pode passar e
levar uma criança embora, as crianças podem correr para a rua e serem
atropeladas por um carro, ou se machucarem e não vai ter ninguém para atender.
Nesta praça há uma área destinada para as crianças, os brinquedos; eles ficam lá
no canto da praça, podemos ver na foto. O fato de serem brinquedos no cantinho
da praça nos mostra mais uma vez a concepção de infância da cidade; no
cantinho, um pedaço pequeno e bem no fim da praça, longe das mesas que os
idosos jogam e dos aparelhos de exercício ficam os brinquedos, bem longe para
não incomodarem ninguém. De fato nossa cidade e nossa população não são
preparadas ou educadas para ter as crianças na rua, mas acredito que se somente
a população fosse educada para tal, já seria o suficiente. Porém, bem longe de
nossa realidade há o movimento das cidades educadoras, “a ideia de um projeto
educativo multidisciplinar, que estipula princípios definidores do caráter
educativo de uma cidade.” (MÜLLER, 2007). Diferente do que muitas pessoas
acreditam a cidade educadora não é uma cidade a serviço da escola, ao
contrário, sua proposta é que a responsabilidade da educação transcenda os muros
da escola e da família, e seja também responsabilidade de todos os habitantes.
A ideia é que todos os espaços sejam comuns para todos, crianças, idosos e
adultos, para dessa forma conviverem e aprenderem a partir das necessidades uns
dos outros (MÜLLER, 2007). Pensando na nossa praça, os espaços não estariam
divididos entre os brinquedos no canto pra as crianças, as mesas para os idosos
no outro e os aparelhos de exercícios e outro canto, mas estariam reunidos,
perto uns dos outros e somente dessa forma poderiam ser compartilhadas
culturas, experiências e aprendizados. Infelizmente essa ideia da escola ser o
local de educação é cada vez mais enraizada em nossa sociedade, pois cada vez
mais ela é fragmentada, há um lugar para comer, um lugar para aprender, um
lugar de lazer, um lugar dos velhos, um dos pirralhos e um dos adultos, que
decidem onde cada um deve ficar.
A fotografia é sempre o olhar do
fotografo, a sua perspectiva do cenário, do mundo ao seu redor. A infância é
também o olhar de que a vê, de quem a estuda, de que a educa. Segundo Luis
Garcia Montero a cidade é também fruto do cada um vê e sente sobre aquela
paisagem urbana que habita (CANCLINI, 2008). Sendo assim, a praça para mim
deveria ser um espaço repleto de crianças livres não só no horário da saída da
escola, mas no horário da escola também. Minha fotografia é preta e branca,
pois expressa falta, falta das crianças pela cidade, a falta de cidade para as
crianças. Pensando na sociologia da infância, acredito que as crianças são
capazes de se apropriar da cidade, de viver a cidade a sua volta, e não ficar a
margem da cidade que nós adultos mostramos para elas. É isso, se cada um tem um
olhar da cidade as crianças também criam um olhar sobre ela e experimentam ela
de formas diferentes dos adultos ou idosos, mas sempre estamos mostrando e
ensinando a cidade que nós vemos, impondo nosso olhar, nossa forma de viver e
conviver com ela. É claro que as crianças transgredem e recriam seu olhar, da
mesma forma que se apropriam e transformam a cultura, criando culturas
infantis. Mas mesmo assim, há poucas possibilidades de elas expressarem a
cidade que sentem e que vivem.
Referências
Bibliográficas
CANCLINI, Nestor Garcia. Imaginários culturais na
cidade: conhecimento /espetáculo / desconhecimento. In: A cultura pela Cidade.
São Paulo. Iluminuras, 2008.
CORSARO, Willian. Teorias sociais da Infância. In:
Sociologia da Infância. Tradução: Lia Gabriele Regius Reis. Porto Alegre,
Editora Artmed, 2011.
MÜLLER, Fernanda. Retratos da infância na cidade de
Porto Alegre. Tese de doutorado. UFRGS. Porto Alegre, 2007.
Trabalho realizado na disciplina Apropriações do Urbano em Novembro de 2011.
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