Na
aula de 17 de março Foucault fala sobre o surgimento de uma nova forma de
poder, na verdade, sobre novas tecnologias do poder que surgem a partir da
metade do século XVIII. Foucault chama de biopoder, a biopolítica, o que não se
contrapõe às tecnologias da disciplina do corpo, mas que coexiste.
Nos
séculos XVII e XVIII as técnicas de poder são centradas no corpo, no
individual, se realizam a partir de treinamentos, exercícios, a vigilância, a
hierarquia, a inspeção, os relatórios. Foucault fala sobre a soberania clássica,
em que os súditos não tinham direito a vida ou a morte, ele é simplesmente
neutro, porque o soberano pode tirar a sua vida na hora que quiser, o soberano tem
o “direito de fazer morrer ou de deixar viver”. A partir da metade do século
XVIII surge essa nova tecnologia do poder que se integra à anterior (disciplina
do corpo), ela não é disciplinar, pois não se dirige ao corpo do homem, mas à
sua vida; mas não à uma vida específica, e é exatamente esse o refinamento
desta nova técnica, ela se dirige à multiplicidade dos homens, à uma massa
global, ao conjunto de processos próprios da vida, como nascimento, morte,
produção, doenças e etc. Surge então um elemento novo, um “corpo múltiplo”: a
população. A população passa a ser um problema político, científico, biológico,
um problema de poder; é passível de análise, possui fenômenos coletivos em que
é possível estabelecer constantes, observar fenômenos em série. Para tal, a
biopolítica irá implantar mecanismos, como previsões, estimativas,
estatísticas; estes mecanismos possibilitaram a otimização do estado da vida,
ou seja, a partir deles foi possível regulamentar a vida.
A
partir dai surge o poder de “fazer viver” e “deixar morrer”, e a morte é
desqualificada, não é mais um ritual, uma cerimonia que todos participam, ela
passa a ser privada, segundo Foucault, ela é quase uma vergonha, e a
transformação nas tecnologias do poder deixam de lado a morte e passam a prestar
atenção na mortalidade. Para ilustrar essa passagem ele fala sobre a morte de
Franco, um ditador sanguinário que tinha o direito absoluto de fazer morrer,
mas que morre nessa nova morte privada, em um tempo em que o poder faz o
indivíduo viver mesmo além de sua morte.
Resumidamente,
a tecnologia disciplinar do corpo é centrada no corpo, produz e procura efeitos
individuais, gera força, utilidade, docilidade do corpo; a tecnologia
regulamentadora da vida é centrada na vida, produz efeitos de massa, na população,
procura controlar eventos, suas probabilidades e efeitos, tem como objetivo o
equilíbrio global e age através da previdência. Apesar de suas diferenças, elas
não se excluem e atuam ao mesmo tempo. Para mostrar isso Foucault fala sobre a
cidade operaria, em que as tecnologias do corpo e da regulamentação coexistem;
os corpos são controlados com a localização das famílias, dos indivíduos em
suas casas e cômodos individuais, a biopolítica regulamente os comportamentos
da população para garantir a longevidade, com regras de higiene, a casa própria
e etc. A tecnologia regulamentadora da vida tem como objetivo “fazer viver”, e
é através dessa ideia que a medicina se torna um saber-poder, o saber técnico
da medicina e da higiene agem como efeitos regulamentadores sobre a população e
o corpo e se tornam uma técnica política de intervenção.
Sendo
assim, Foucault questiona “como esse poder que tem essencialmente o objetivo de
fazer viver pode deixar morrer?”; a resposta que ele nos dá é o racismo. O
racismo surge a partir da emergência do biopoder, a emergência de um motivo
para poder matar sendo que “deixa viver”. O racismo se torna um mecanismo
fundamental do poder, pois ele é a forma de fragmentar a população, ele permite
uma relação positiva em que para viver é preciso que você faça morrer, nesse
caso, a morte se torna aceitável. O racismo da condição de aceitação de se
tirar uma vida, através da teoria de Darwin, Foucault fala de como o
evolucionismo se torna o motivo das guerras, na medida em que “ a morte do
outro é um fortalecimento biológico” (FOUCAULT, 1976. p.17). O nazismo é o
exemplo perfeito para essa nova forma de poder, que converge as tecnologias do
poder e da regulamentação, em que o racismo é levado ao seu extremo, ele
justifica não só matar o outro, mas expõe também sua própria população à morte
e dessa forma sobrariam somente aqueles que são superiores “Estado racista,
Estado assassino, Estado suicida.” (FOUCAULT, 1976. p.19).
A
partir do século XIX há então um refinamento da tecnologia de poder, controlar
os corpos para que fiquem dóceis dá possibilidades de transgressão, mas a
biopolítica é a tecnologia de massa, da regulamentação, da sociedade da
normalização, as possibilidades de transgressão são muito menores e quando
surge uma forma diferente de agir, que aparentemente é uma transgressão, a
tecnologia regulamentadora da vida se encarrega de massificar essa nova forma e
normalizá-la.
Ótima resenha
ResponderExcluirParabéns. Um exemplo de síntese.
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